ATA DA TRIGÉSIMA SEGUNDA SESSÃO SOLENE DA TERCEIRA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA LEGISLATURA, EM 24.09.1991.

 


Aos vinte e quatro dias do mês de setembro do ano de mil novecentos e noventa e um reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Trigésima Segunda Sessão Solene da Terceira Sessão Legislativa Ordinária da Décima Legislatura, destinada à entrega do Título Honorífico de Cidadã Emérita à Senhora Zélia Lacassagne, concedido pelo Projeto de Resolução nº 11/91 (Processo nº 883/91). Às dezessete horas e treze minutos, constatada a existência de “quorum”, o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos e convidou os Líderes de Bancada a conduzirem ao Plenário as autoridades e personalidades presentes. Compuseram a Mesa: Vereador Antonio Hohlfeldt, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre; Senhor Carlos Branco, representando o Senhor Prefeito Municipal; Senhor Firmino Sá Cardoso, representando a Associação Riograndense de Imprensa; Senhora Marilene Gil, Coordenadora Geral do AMA, Amigos Anônimos; Senhora Zélia Lacassagne, Homenageada; Vereador Airto Ferronato, 1º Vice-Presidente da Casa, na ocasião, Secretário “ad hoc”. Após, o Vereador Antonio Hohlfeldt, em nome da Casa, falou dos motivos que o levaram a propor a presente solenidade, agradecendo à Homenageada pelo trabalho por ela desenvolvido junto ao AMA, Amigos Anônimos. A seguir, o Senhor Presidente registrou correspondência recebida relativa ao evento e convidou a todos para, de pé, assistirem à entrega, pelo Vereador Antonio Hohlfeldt, do Título Honorífico de Cidadã Emérita à Senhora Zélia Lacassagne, concedendo a palavra à Homenageada, que agradeceu o Título recebido. Após, foram entregues flores à Homenageada e o Senhor Presidente agradeceu a presença de todos, declarando encerrados os trabalhos às dezessete horas e quarenta e quatro minutos, e convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de Amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelo Vereador Antonio Hohlfeldt e secretariados pelo Vereador Airto Ferronato, Secretário “ad hoc”. Do que eu, Airto Ferronato, Secretário “ad hoc”, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após lida e aprovada, será assinada pelos Senhores Presidente e 1º Secretário.

 

 


O SR. PRESIDENTE (Airto Ferronato): Estão abertos os trabalhos da 32ª Sessão Solene, destinada a conceder o título de Cidadã Emérita de Porto Alegre à Srª Zélia Lacassagne, conforme Proc. nº 883/91, apresentado pelo digno Ver. Antonio Hohlfeldt, e aprovado por unanimidade dos votos desta Casa.

Compõem a Mesa, além deste Presidente da Câmara, o Ilmo Sr. Firmino de Sá Cardoso, que representa, neste ato, a Associação Riograndense de Imprensa; Ilma Srª Zélia Lacassagne, nossa homenageada; Ilmo Sr. Carlos Branco, que neste ato representa o Sr. Prefeito Municipal, Dr. Olívio Dutra.

Como nós falamos, por iniciativa do Ver. Antonio Hohlfeldt, estamos reunidos para prestar uma homenagem da Cidade à Srª Zélia Lacassagne, fundadora da AMA – Amigos Anônimos SAmaritanos Mundiais –, que desde 1971 vem prestando inestimável serviço de apoio emocional e prevenção ao suicídio, de forma sigilosa e gratuita a milhares de pessoas. Nossa homenageada, nascida em Bagé, conseguiu com o seu espírito empreendedor implantar um sistema de atendimento permanente nas 24 horas do dia, durante toda a semana, àqueles que, beirando o desespero, tentam renunciar à vida.

Temos a satisfação de convidar, para que faça uso da palavra, o Exmo Sr. Ver. Antonio Hohlfeldt, que fala em nome das Bancadas do PT, PDT, PDS, PMDB, PTB, PCB, PFL e PL.

 

O SR. ANTONIO HOHLFELDT: Exmo companheiro Ver. Airto Ferronato, 1º Vice-Presidente da Casa, na Presidência dos trabalhos, neste momento; meu prezado companheiro Jornalista Firmino Sá Cardoso, na representação da Associação Riograndense de Imprensa; prezado companheiro Carlos Branco, representando o Sr. Prefeito Municipal, Dr. Olívio Dutra; minha prezada Dona Zélia, nossa homenageada nesta Sessão, e através da Dona Marilene Gil, Coordenadora-Geral dos Amigos Anônimos, a todos os presentes e integrantes deste Movimento.

Eu não pretendo, nesta pequena fala, reportar-me especificamente à biografia da nossa homenageada, porque todos vocês que aqui estão a conhecem e todos vocês, portanto, sabem dos dados, da sua biografia particular: do seu nascimento em Bagé, do seu trabalho ao longo de anos, da importância, por exemplo, que iniciativas como o trabalho no Trensurb, a partir de 1987, ou a partir de 1984, com um posto de atendimento estabelecido no HPS, tem tido ao longo deste tempo.

Quero nesta fala me reportar inicialmente que a homenagem que nós realizamos na tarde de hoje nasceu a partir da sugestão do colega jornalista que aqui se encontra e que faço questão de mencionar, que é o Roberto Fleck, que está ali nas galerias. Eu faço esta menção por vários motivos: o primeiro é porque o fato de um jovem, profissional de imprensa, ter esta iniciativa fala por si só na repercussão do trabalho de Dona Zélia e de todas aquelas e aqueles que são seus companheiros têm obtido junto à comunidade.

Em segundo lugar, pelo fato de um profissional de imprensa, como eu – e ao longo dos anos o Roberto e eu trabalhamos na Redação do “Correio do Povo”, até num certo momento o “Correio do Povo” fechou, ele foi para a “Zero Hora”, eu já era Vereador e desenvolvi o trabalho por aqui, nos encontramos de vez em quando na faculdade, em trabalhos, eventualmente, dentro da área profissional – o fato de um profissional de imprensa, aquele profissional que se destina a informar, a trazer dados para o conhecimento do público e ir mais além e propor uma homenagem e um reconhecimento, neste caso, à Dona Zélia, eu acho que fala também de uma função a mais que o meio de comunicação tem e que muitas vezes nós temos esquecido; nós, profissionais da informação; nós, leitores, espectadores, ouvintes; enfim, nós, consumidores de informação. É de que o meio de comunicação não é neutro, nós, indivíduos profissionais de comunicação, também temos as nossas posições, e elas não terminam no momento em que nós redigimos uma lauda de informação, e temos, depois, uma notícia impressa.

 

Um bom profissional de imprensa se engaja nisso, e a lembrança do Fleck é o engajamento que eu queria resgatar aqui, porque é um engajamento muito semelhante a este que a Dona Zélia e a vocês que se engajam nessa luta também têm. A nossa preocupação, a nossa responsabilidade para com o próximo, não termina na porta da nossa casa, nas tarefas imediatas bem cumpridas, mas se espraia num sentimento de comunidade, coletividade, de relacionamento com o próximo, e, sobretudo, neste caso, glosando a expressão dos Amigos Anônimos, nesta sigla que, certamente, não por um acaso, é a sigla AMA, vai até aquele amigo anônimo, aquele próximo anônimo, que pode ser os tantos casos que vocês tão bem conhecem, por exemplo, um episódio que eu próprio vi, nesta Casa, num fim de manhã, quando uma jovem de uns 30 anos nos procurou dizendo que se mataria porque devia, tinha empréstimos aqui e ali, cartão de crédito, cheque especial, enfim, daquelas pessoas que, de repente, se vêem envolvidas no sonho, no milagre do crescimento da classe média, das coisas que vai acumulando, dos consumismos do dia-a-dia, e esqueceu que a realidade do salário, das dificuldades, às vezes impedem, fazendo ir mais devagar. Envolvida dessa maneira, e esta pessoa não sabia como sair disso, e eu, por mais que tenha sido um dia na vida Professor de Psicologia Social e Opinião Pública num curso de Jornalismo, também não sabia o que dizer para essa pessoa, e me ocorreu pegar no telefone, ligar para uma entidade e pedir que ajudassem, porque eu estava no meu limite, poderia emprestar algum dinheiro, mas, certamente, essa não seria a solução, que estava mais além, e, depois, ao longo de dois, três dias, tive o prazer de receber a visita dessa pessoa, já mais tranqüila, buscando dar solução ao problema que ela enfrentava. Este, talvez, seja um dos problemas menos graves, menos dramáticos.

Lemos no dossiê que recebemos, em torno de Dona Zélia, em torno do trabalho do CVV, em torno do trabalho dos Amigos Anônimos, uma série de casos: do cidadão que quer se suicidar do alto do prédio, um outro quer dar um tiro no ouvido; enfim, daquele que quer dar um mergulho no Guaíba ou em outro lugar mais poluído. Enfim, situações que às vezes são bem mais situações-limite do desespero das pessoas.

Mas, ao ler todas as menções ao trabalho deste grupo que é liderado pela Dona Zélia, ouvi uma menção que me criou – talvez até dentro do meu desvio de quem gosta de fazer ficção, porque, como jornalista, de vez em quando também gosta de criar a cena – visualizar a cena, nenhuma me foi mais forte do que uma reportagem que envolve o Trensurb e que fala exatamente desse horário do fim de dia, em que o trabalhador, sobretudo aquele trabalhador anônimo, aquele sujeito que vive vinte e quatro horas por dia sobre pressão de tudo quanto é forma; sobretudo, frustrado, senta-se num banco qualquer, anonimamente, numa estação de trem, e ali tem que decidir se vai tomar um pileque, se se joga num trilho de trem, ou se volta para casa e tenta enfrentar todo o seu problema de novo, para fingir que descansa, e no outro dia de manhã está de novo no trabalho, na produção de mais-valia. Essa imagem, para mim, ela é visualmente, ela é fisicamente, uma imagem forte. É uma imagem que certamente nos permitiria fazer aqui longas reflexões sobre a importância de pessoas como Dona Zélia e seu grupo de amigos, de conhecidos, de voluntários, que têm se dedicado a essas idéias desse trabalho que é literalmente anônimo. E é muito provável que muitos dos ajudados, dos auxiliados, sequer lembre do nome daquela pessoa que se chegou até ele, mas de qualquer maneira passa a ser um símbolo de um mínimo de solidariedade, que eu não diria apenas cristã, mas diria fundamentalmente humana, no momento em que a nossa sociedade, a nossa civilização é infelizmente uma civilização profundamente riquificadora.

É por isso, Dona Zélia, que dentro da proposta do Roberto eu titubeei em imediatamente aceitar a idéia de ser apenas e humildemente um intermediário desta Proposição, que não é um mérito meu, que não um mérito sequer desta Casa, é um mérito seu, de todas aquelas pessoas que trabalham com a Senhora. Que é um mérito, sobretudo, e eu quero dizer a vocês que eu não havia tido a oportunidade de conhecer fisicamente, pessoalmente, a Dona Zélia. Nós havíamos conversado por telefone várias vezes, eu tive de convencê-la a aceitar a homenagem, porque ela dizia que não merecia; aí eu fiz uma pequena drAmatização: mas nós vamos falar dos Amigos Anônimos, etc., aí ela aceitou a homenagem. Mas, enfim, tudo isso foi por telefone, então, hoje, conheci a Dona Zélia pessoalmente. E mal cruzei com a Dona Zélia e disse: “Bom, a figura da Dona Zélia fala por ela mesma, não precisa dizer mais nada”. E a gente discutia se a Dona Zélia ia falar sentada ou em pé, e ela dizia: “Não vou falar em pé”. Aí eu lhe disse: “Olha, fala em pé, que a Senhora é gente de falar em pé, é gente de se firmar, de discutir, de fincar pé no seu ponto-de-vista, talvez com muita doçura, mas com muita firmeza”. Essa é a imagem que me passa a Dona Zélia, e essa imagem, sem dúvida nenhuma, explica por que nós estamos homenageando a Senhora, e por que a Senhora conseguiu fazer tudo isso. No texto que nós produzimos, no encaminhamento do Processo, dissemos que: “Dona Zélia é dessas pessoas que dão dignidade à raça humana”. Queria resgatar essa colocação para acrescentar uma outra, quando algum indivíduo, algum cidadão, algum anônimo diz: “Eu preciso que alguém me ouça”. Nós temos, exatamente, a possibilidade de exercermos ou não a nossa humanidade. A junção dessas duas coisas, a dignidade e a humanidade, me parece que se encontram exatamente na figura da Dona Zélia. Não vou dizer a idade da Dona Zélia, porque ela pode ficar braba comigo, mas, certamente, é uma idade que não se conta em anos, se conta no resultado daquilo que foi feito. E por isso mesmo eu queria dizer à Dona Zélia, essa manifestação, e, através dela, a todos os companheiros do CVV, dos companheiros dos Amigos Anônimos, até porque nenhum de nós que estamos aqui, hoje, nenhum de nós, Vereadores que votamos esse Projeto por unanimidade da Casa, pudemos dizer que algum dia estaremos livre dessa situação por questões que atravessamos na vida. Mas por antecipação, senão pelo anterior, queremos agradecer à Dona Zélia por tudo o que ela fez por todos e por tudo que ela fará, tenho certeza, também, por nós, porque, sem dúvida nenhuma, ações como esta melhoram a vida das pessoas e melhoram a sociedade como um todo.

É por isso, Dona Zélia, que em nome de todas as Bancadas da Casa, somos oito diferentes Bancadas, com representações diferentes, com brigas fenomenais, às vezes, pelas posições que defendemos, mas, neste caso, por unanimidade, a homenagem de Porto Alegre nós lhe prestamos, a partir da lembrança do nosso companheiro Roberto Fleck. Muito obrigado. (Palmas.)

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Para esta data estava prevista a entrega do título ao Sr. Lúcio do Cavaquinho, mas, a pedido do homenageado, foi transferida para o dia 30 próximo.

Faz parte desta Mesa a Srª Marilene Gil, Coordenadora-Geral da Associação dos SAmaritanos Anônimos.

Solicito ao Ver. Antonio Hohlfeldt que passe a presidir esta Sessão até seu final.

 

(Troca-se a Presidência.)

 

O SR. PRESIDENTE (Antonio Hohlfeldt): Queremos entregar à nossa homenageada a mensagem que recebemos do Diretor-Presidente da ADACAN, Sr. Nathalio Wolf; do Dr. Adroaldo Loureiro, Secretário de Trabalho e Ação Social; do Secretário da Agricultura, Sr. Aldo Pinto; e de S. Exª, o Vice-Governador, João Gilberto.

Convidamos os presentes para, em pé, procedermos à entrega do Diploma de Cidadã Emérita à Srª Zélia Lacassagne.

 

(Procede-se à entrega do Diploma.) (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE: Concedemos a palavra à Srª Zélia Lacassagne.

 

A SRA. ZÉLIA LACASSAGNE: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, representante do Sr. Prefeito e os demais presentes. Gostaria de fazer um ligeiro retrospecto do trabalho que nos propusemos a realizar. Trabalho da instituição por mim fundada há vinte anos atrás.

Nosso início foi árduo, pois trabalhar na prevenção do suicídio com voluntários leigos era um desafio que exigia de nós muito estudo e disciplina. A qualidade do serviço prestado dependia de nossos esforços pessoais, mas precisávamos também da imprensa para a divulgação deste trabalho com precisão e seriedade, pois falar sobre suicídio naquela época ainda era um tabu. Recebemos, desde o início, total apoio da imprensa, tanto que matérias sobre a Instituição ganharam dois prêmios ARI.

O trabalho se firmava cada vez mais. Verdadeiros sAmaritanos foram se unindo a nós, voluntários que souberam trabalhar com coerência, incentivando o amor à vida, oportunizando novos valores àqueles que nos buscavam angustiados e deprimidos.

Eles realmente souberam ser o sol que aquece os caminhos daqueles que jAmais tiveram quem os ouça. Souberam escutar, sentir e compartilhar com todos os que buscavam ajuda. Permitiram que a compreensão e a bondade fossem o lenitivo nas tormentosas noites escuras dos que choram. Os sAmaritanos foram estrelas que iluminaram suas vidas. Eles realmente formaram um oásis de humanidade no deserto das almas de muitas pessoas que desistiam de crer na vida e nos homens.

No ano de 1984, fundamos novo posto no 1º andar do Hospital de Pronto-   -Socorro Municipal – HPS –, e, em 1985 tornamo-nos uma entidade autônoma gaúcha, adquirindo a nova marca de “AMA – Amigos Anônimos SAmaritanos Mundiais”.

Dando novo impulso ao nosso trabalho, realizamos cursos com os agentes de segurança da Trensurb, preparando aqueles funcionários para um melhor atendimento às pessoas que perambulam pelas estações do metrô com atitudes autodestrutivas. A importância deste trabalho foi destaque em revistas nacionais e estrangeiras, sendo considerado “o melhor trabalho internacional no ano de 1989” pelo Befrienders International.

Servimos a comunidade durante todas as 24 horas do dia, nos 365 dias do ano, inclusive aos domingos e feriados. O nosso atendimento é totalmente sigiloso e gratuito, sendo a AMA considerada de utilidade pública federal e estadual.

É um trabalho dinâmico, moderno. Alicerçado na empatia, que significa sentimento forte e profundo de compreensão entre duas pessoas que dialogam.

Para que os Senhores possam ter uma idéia exata da empatia praticada por nós, vou-lhes contar uma experiência vivenciada por um plantonista, num determinado atendimento a uma pessoa com idéias autodestrutivas.

Vejamos: uma moça aproxima-se de nosso plantão, entra de uma maneira tímida e nervosa. Aperta a mão do plantonista como se estivesse pedindo socorro, como se estivesse pedindo que não a deixasse submergir. Toda ela era muito frágil. Sentou-se e aos poucos foi relatando, numa voz vacilante, baixa, certas ocorrências de sua vida, detalhes que não conseguira sequer contar a seus familiares e nem à pessoa que ela mais amava.

Enquanto ela falava, disse-me mais tarde o plantonista, “mantive-me perfeitamente tranqüilo, fitei calmamente aquele rosto sofrido. Deixei-me absorver por sua história. Fiquei totalmente absorto, a ponto de ter consciência apenas daquele rosto amargurado, sofrido, de sua voz trêmula e do seu trágico drama humano, que eu percebi e sentia. Consegui ouvi-la com tamanha profundidade que passei a sentir somente os seus próprios sentimentos, e eles repercutiam em mim numa clara compreensão da sua maneira de sentir. No final do nosso encontro, a moça me revelou que jamais tivera sido ouvida por alguém com tamanha atenção e profundidade, e que esta experiência havia sido tão gratificante para ela que jamais a esqueceria”.

A história que lhes contei é para que os Senhores sintam até que ponto o plantonista é capaz de compartilhar com as pessoas que nos solicitam ajuda.

No seu silêncio receptivo e caloroso, é como se murmurasse ao outro: “Detém-te e recomeça. O Sol já não queima. As estrelas voltaram a brilhar em celestes esperanças...”. Muitas vidas semidestruídas foram refeitas na simplicidade aconchegante de nossos plantões, muitas vozes aflitas encontraram eco no ouvir atento dos Samaritanos, no respeito que eles tiveram pela maneira de ser e de sentir do outro, aceitando-o, compreendendo-o e amparando-o, jamais tentando dirigir a vida alheia, ou querendo influenciar as pessoas com suas idéias filosóficas, políticas ou religiosas.

O Samaritano está acima destas posturas comuns, ele busca no diálogo com o outro um encontro verdadeiro. A finalidade do plantonista é dar possibilidade ao atendido de afrouxar suas defesas e assim poder expressar livremente os seus sentimentos. É um encontro que libera capacidades ainda em estado latente, pois dá possibilidade ao ajudado de autocrescimento, a fim de que ele possa ter uma vida mais plena, não sem problemas, mas com disposição de traçar objetivos e ir em busca de novas realizações. O nosso apoio não cria laços de dependência, pois a pessoa ajudada desenvolve a capacidade de enfrentar novos obstáculos, com independência e autonomia, porque passa a confiar na sua capacidade de solucionar seus próprios problemas.

Este é o feliz resultado de uma relação de ajuda embasada numa atmosfera de confiança mútua, aceitação, permissividade e acolhimento amoroso. Este mesmo clima é criado entre nós, Samaritanos, pois acreditamos que a maior força, a mais poderosa, é o amor.

Essa maneira de trabalhar em equipe é uma experiência extremamente enriquecedora. São vivências escritas por autêntica afetividade, tendo o Ama a finalidade de trabalhar o sentimento e a emoção. E se alguém me perguntasse onde encontrar tal programa, eu diria: no coração.

O que observamos é que há sempre alguém que vacila em superar a vida. Alguém que não compreende, como viandante errante, que a aurora se transforma em dia, e que das trevas também pode emergir o arco-íris. A nossa tarefa é a de possibilitar que este viandante encontre novamente dentro de si esta esperança.

Senhor Presidente, Senhores Vereadores e demais presentes, obrigada, muito obrigada por acreditarem que a vida é uma grande realização de solidariedade humana. Obrigada pelo Título que me foi conferido. Obrigada, Senhores, por acreditarem que a vida é uma grande realização de solidariedade humana.

(Não revisto pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE: Nós gostaríamos de convidar a Srª Jarina Balestrin, Coordenadora do Posto do Ama no HPS, e as demais pessoas que pretendem fazer homenagens à Dona Zélia, que comparecessem aqui, agora, para a entrega das flores e de uma placa alusiva ao Ato de hoje.

 

(É feita a entrega das flores e da placa à Srª Zélia Lacassagne.)

 

O SR. PRESIDENTE: (Lê.): “Título Honorífico de Cidadã Emérita, Zélia Lacassagne, Presidente e Fundadora do Ama – Amigos Anônimos Samaritanos Mundiais. Porto Alegre, 24 de setembro de 1991. Câmara dos Vereadores.”

Minhas Senhoras e meus Senhores, ao encerrarmos esta Sessão eu quero me permitir apenas dizer à Dona Zélia que, ouvindo o seu discurso, ouvi a menção de que a entidade tenha uma entidade pública federal e estadual, e não tenha municipal. Eu quero colocar a nossa Casa à disposição para fazer este encaminhamento da utilidade pública municipal. Gostaríamos de manter contato com a Srª Marilene Gil para fazer o encaminhamento. (Palmas.)

Eu não sei se a vantagem vai ser da Prefeitura de Porto Alegre ou do Ama, mas, de qualquer maneira, vamos juntar o trabalho, que é importante.

Nós queremos agradecer à Dona Zélia, a todos vocês que compareceram a esta Sessão, a possibilidade de homenagearmos esta pessoa, esta cidadã; e, através dela, a todos que trabalham nessa aposta com a vida. Queremos agradecer aos convidados que aqui compareceram, especialmente ao Jornalista Fleck.

Com a palavra a homenageada.

 

A SRA. ZÉLIA LACASSAGNE: Roberto, o que poderia te dizer? Obrigada. Obrigada, companheiro, retorna à Casa. Podes estar certo de que nós te amamos muito. Muito obrigada mesmo.

 

O SR. PRESIDENTE: Queremos agradecer a todos, dizer a todos vocês que a Casa tem muitos erros, mas, certamente, este não foi um erro. Estamos tranqüilos disso.

Encerramos a presente Sessão.

 

(Levanta-se a Sessão às 17h44min.)

 

* * * * *